O Legado de Epicuro
O aspecto mais interessante da sua filosofia moral de felicidade sem sofrimento é sua familiaridade. Detecto um hedonismo implícito em muitos dos seus comentários. Não acredito que você concordaria com os cirenaicos, os quais buscavam prazer pessoal acima de tudo, especialmente prazeres sensuais. Eles acreditavam que nenhum benefício poderia ser obtido a partir da cogitação lógica ou mental. A única realidade cognoscível na Escola Cirenaica era empiricamente reconhecida através dos cinco sentidos. Os imperadores romanos Tibério e Calígula buscaram essa realidade ao extremo. Os Epicuristas ainda buscaram o prazer, mas reconheciam que a busca descontrolada do prazer muitas vezes levava a uma diminuição do prazer mais tarde na vida. Eles tinham o objetivo de buscar o prazer com moderação. Reconheceram também que o prazer pode ser atingido pela aquisição de conhecimento, uma forma de prazer que os cirenaicos rejeitavam.
Como adolescente, Epicuro lia frequentemente as obras de Demócrito, um filósofo e cientista pré-socrático que, juntamente com Leucipo, construiu uma teoria da natureza muito semelhante à da ciência do início do século XX. No 30 e 40 séculos aC, Demócrito e Leucipo descreveram a natureza como composta de átomos, a menor unidade indivisível da matéria. Eles consideravam toda a natureza como sendo composta por átomos ou espaço vazio. Já que estes componentes fundamentais da natureza têm existido eternamente, não havia necessidade de incluir um conceito de Deus. Demócrito era um materialista estrito, cuja filosofia, desenvolvida a partir de suas teorias científicas, assemelhava-se às visões filosóficas da maioria dos cientistas hoje.
Demócrito desenvolveu um conjunto muito elevado de regras para o comportamento humano, instando moderação em todas as coisas, juntamente com o cultivo da cultura como o meio mais seguro de alcançar a meta mais desejável de vida, ou seja, a felicidade. 80
"Epicuro achava que tinha libertado o homem do medo de Deus e do medo da morte.”81 Já que a morte apenas representava a cessação da existência natural, e os átomos que constituíam os seres humanos não mais funcionavam, nenhuma dor ou sofrimento poderiam existir após a morte. O que você está tentando realizar hoje ao dar um fim à fé, Epicuro já tentou fazer mais de 2300 anos atrás!
Claro, se Epicuro tivesse inteiramente erradicado a fé em sua época, estaríamos vivendo em uma cultura completamente secular hoje. Obviamente, a fé sobreviveu. Dentro da esfera de influência de Epicuro, uma filosofia ateísta moral desenvolve-se livremente. Sua ênfase moral "focalizou-se no indivíduo e seus desejos imediatos por prazeres corporais e mentais, em vez de em princípios abstratos de conduta correta ou consideração dos mandamentos de Deus.”82 A felicidade individual se tornou o princípio fundamental da moralidade humana. Epicuro reconheceu que todos temos uma noção clara da diferença entre dor e prazer e que enxergamos o prazer, de longe, como o mais desejável. Assim, a filosofia de Epicuro focalizou-se na prevenção da dor e na aquisição de prazer. Ao contrário dos cirenaicos, Epicuro reconheceu que uma vida de prazer não viria de festanças, bebedeiras e da satisfação irrestrita de desejo. Ele optou por uma postura mais moderada que evitava os excessos. No entanto, em última instância, como os cirenaicos, os epicuristas viviam como hedonistas com uma filosofia moral de auto-absorção. Evitavam preocupação com as necessidades dos pobres e problemas sociais, a menos que invadissem a sua felicidade individual de alguma forma. "A única função da sociedade civil que Epicuro reconhecia era deter aqueles que podiam causar sofrimento aos indivíduos.”83 A comparação entre a sua moralidade e epicurismo pode fracassar se você realmente se preocupar com o bem-estar dos outros, até mesmo os que lhe são desconhecidos. No entanto, o caso é que nem você nem Epicuro tinham qualquer justificação ou impulso racional para tal preocupação.
O Legado de Epicuro - Alcançando a felicidade pessoal
Talvez você prefira o utilitarismo de John Stuart Mill ou Peter Singer. Na filosofia de Singer, você nunca pode alcançar a felicidade pessoal a menos que tenha algo pelo qual estar feliz, e esse foco deve incluir o seu desejo de aumentar a felicidade pessoal dos outros. Infelizmente, isso leva à adoção do conceito de um bem maior. Tal utilitarismo pode ter alegado que a instituição da escravidão na América colonial beneficiou mais pessoas na sociedade do que prejudicou, por isso era algo bom. Esse com certeza teria sido o caso para o proprietário de escravos. Já que não tinha uma maneira de quantificar ou medir o grau de prazer derivado pela população em geral ou o grau de descontentamento infligido aos escravos, a determinação do bem maior podia ser resumida como a felicidade pessoal e individual. Se você perguntasse a um escravo utilitário para julgar a situação, sua resposta teria sido muito diferente da resposta do dono de escravos.
No último capítulo de O Fim da Fé, você salienta a sua relutância em criticar o budismo, professando a sua inclinação ao pensamento oriental. Gostaria de sugerir que você seja atraído ao budismo não pela sua racionalidade, mas porque parece destacar as coisas que você já pessoalmente deseja, como a paz, o amor, a liberdade do sofrimento e, acima de tudo, nenhum Deus. Fundamental à filosofia budista, no entanto, é o conceito de que somos todos anātman, destituídos do ‘eu’ ou da alma. Isso pode atrair-lhe à luz de sua propensão ao fisicalismo redutivo. No entanto, como você concilia a visão budista das 4 Nobres Verdades com o pensamento ocidental racional? Deixe-me resumir as 4 Nobres Verdades:
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